Gabriele Roza
15
March
2022
No início de 2021, a Prefeitura do Rio de Janeiro encontrou o sistema de BRT (em inglês: Bus Rapid Transit) com uma série de problemas de infraestrutura: estações fechadas, ônibus em péssimo estado de conservação e falta de segurança. Em março, o Município iniciou uma intervenção no BRT para melhorar o serviço prestado à população. Durante o primeiro ano da nova gestão, 46 estações foram reabertas e o sistema passou de 190 mil usuários por dia em janeiro para 236 mil usuários em novembro.
Apesar das mudanças serem positivas, elas não são suficientes para garantir maior transparência financeira, planejamento com base em dados confiáveis e melhoria dos serviços das linhas de ônibus. Por conta disso, a Prefeitura iniciou um processo de licitação para requalificação do sistema BRT.
''A modalidade, inédita no Brasil, será feita de forma separada, dividida em duas fases: a primeira para a locação de frota, possibilitando a substituição gradativa dos ônibus antigos, e a segunda para a concessão da operação do sistema'', diz a nota da Prefeitura. A separação entre operação e frota visa garantir que apenas uma empresa forneça os veículos e outra empresa opere a frota.
O plano é concluir, ainda em 2022, a licitação de um novo modelo de bilhetagem digital, que fornecerá orientações detalhadas sobre rotas, horários e tráfego de rede em toda a sua extensão. O modelo dará ao município o controle da arrecadação tarifária e o monitoramento da demanda de passageiros em todas as linhas, por meio dos dados de GPS instalados nos novos validadores.
O Escritório de Dados conversou com o Subsecretário de Planejamento de Transportes na Prefeitura do Rio de Janeiro, Bernardo Serra, e com a Coordenadora Sênior de Transporte Público do Instituto de Políticas de Transporte e Desenvolvimento (ITDP Brasil), Beatriz Rodrigues, para entender qual o impacto da transparência de dados na qualidade do sistema BRT do Rio de Janeiro.
''Ficou muito evidente, depois da crise econômica e da pandemia, como o sistema de transporte público da forma que foi licitado não para em pé. Você tem um serviço essencial que em muitos lugares não dá lucros, não dá receita suficiente para se manter, sendo gerido por uma lógica de mercado que é quanto maior a tarifa mais o empresário ganha'', diz Bernardo Serra.
O subsecretário explicou que os quatro consórcios que administraram o BRT durante os últimos anos deveriam ter um mecanismo de compensação entre linhas deficitárias e linhas superavitárias, mas nunca implementaram esse mecanismo. ''Na prática, as linhas superavitárias continuavam superavitárias e outras empresas que tinham mais linhas deficitárias estão quebrando''.
Para mudar essa lógica, ele acredita que o primeiro passo é dar transparência aos dados de utilização do serviço de transporte. ''A licitação da bilhetagem propõe ter, através de uma conta do município, o controle total sobre o fluxo de receita que entra do sistema e o controle total sobre a quantidade de passageiros que está sendo transportado, isso de uma forma mais detalhada possível''.
Para ele, o ponto de controle é importante para que a empresa responsável pela bilhetagem responda ao município e não aos operadores. ''Os operadores têm um conflito de interesse nesta relação, quanto mais ele falar que o sistema é deficitário mais pode forçar uma barra para ter um subsídio maior. Estamos falando que esse sistema precisa de subsídio''. Mas para ter subsídio, Serra acredita que o município precisa criar as condições necessárias para que exista uma maior transparência e responsabilidade com o gasto público.
''A ideia é fazer a licitação da operação nessa nova lógica de remuneração por quilômetro. Toda a receita vai cair numa conta do município. Com a bilhetagem, vamos saber quantos quilômetros serão rodados por cada operador e qual custo por quilômetro cada um tem. A ideia é pagar o que ele entregou [em quilômetros rodados] considerando o planejamento operacional que vai ser definido pela secretaria'', conclui o Subsecretário de Planejamento de Transportes.
A Coordenadora Sênior de Transporte Público do ITDP, Beatriz Rodrigues, explica que o novo modelo de bilhetagem vai permitir ao município usar os dados para nortear as políticas públicas de mobilidade e orientar a tomada de decisão.
''A medida de implementar uma bilhetagem eletrônica pode de fato possibilitar isso tudo. Não apenas facilitar os passageiros no dia a dia da operação, mas o poder público vai poder ter mais controle e informações sobre as viagens, assim é possível reavaliar ou reformular as frequências, horários e trajetos''.
Rodrigues reforça que ''as informações precisam ser públicas para que a sociedade civil organizada, os usuários e a população como um todo também possam acompanhar, não só verem os benefícios que estão acontecendo, mas poderem fiscalizar de perto''. O Subsecretário de Planejamento de Transportes, Bernardo Serra, informou que há uma exigência para que os dados que serão gerados a partir dos sensores estejam disponibilizados em uma API, uma ferramenta que permite aos usuários técnicos utilizar os dados em aplicações externas.
''Acho que o caminho inevitavelmente é esse, como a API do GPS que é aberta, mas API pega um nicho muito específico, estamos falando de programadores, pessoas que conseguem acessar e analisar dados. Para além disso, existe uma intenção de que os relatórios de operação e os indicadores que vão nortear a remuneração [das empresas] estejam públicos''.